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Artigo "Lembranças de Minas Gerais" sobre as fotografias de Alexandre publicado na revista "Vida Simples"

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NUANCES. A FOTOGRAFIA DE ALEXANDRE HORTA E SILVA

Nuance, gradação, diferença sutil entre coisas próximas. Nuances, imagens para nos conduzir do estranhamento ao deslumbramento e, daí, à transfiguração do mundo observado.

Nuances apresenta um total de 40 fotografias de Alexandre Horta e Silva, dentre as quais 34 são obras selecionadas do trabalho realizado pelo fotógrafo entre agosto de 2019 e abril de 2022. Neste período, em que todos nós vivemos em um mundo com enormes limitações para deslocamentos e encontros, Alexandre, num movimento quase obrigatório – mas nem por isso indesejado – aproxima ainda mais seu olhar das aparentes pequenas coisas do mundo. Pequenas não em suas dimensões físicas; pequenas, talvez, sinônimo de simples, de algo inicial, primário, primeiro. Há uma acentuação maior, uma agudeza mais fina no olhar do fotógrafo, que sempre buscou nos mostrar as superfícies, as camadas, as peles, a epiderme das coisas do mundo. Neste percurso, Alexandre mantém o mesmo padrão técnico que adotou em toda sua carreira: mínimas alterações digitais e a utilização da luz natural.

 

A historiadora e crítica Rosane Pavam, analisando o trabalho de Alexandre no texto “Em torno da criação” (2020), foi precisa e sensível, antecipando Nuances:

“Alexandre Horta e Silva, que é psicanalista, parece se lançar com intensidade à força irresistível da fotografia. O ofício de fotógrafo se distingue de tantos outros dentro das artes por envolver um risco real, o de se expor sem filtros à riqueza e à miséria do mundo. Alguns artistas poderão retirar-se à meditação exclusiva em seu ateliê, junto ao piano ou à escrivaninha, mas o fotógrafo estará sempre à beira de um mundo desconhecido, diante da urgência de assimilá-lo e de devolvê-lo com distinção a quem o observa. Principalmente de transfigurá-lo, ação que parece constituir a especialidade deste fotógrafo, e seu encanto.”

 

Rafael Guanaes, outono de 2022.

 

Para aquisições de obras, contato: Maria dos Anjos (55 11 99603-9097)

 

Agradecimentos:

Aos amigos e funcionários do Grand Mercure Ibirapuera

Ao Luiz Aureliano e sua Oficina de Impressão (oficinadeimpressão.com.br)

À Marina Reid, tatuadora ‘freehand blackwork’ (Instagram: mar.flow_)

Em torno da criação

Por Rosane Pavam, jornalista e historiadora, doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (2020)

A fotografia é uma vibração que materializa, dentro do fotógrafo, o que transcorre lá fora. E o que o fotógrafo vê é aquilo que o fotógrafo é.

Talvez esta definição da arte, uma paráfrase ao pensamento do austríaco Ernst Haas, se encaixe nas relações que Alexandre Horta e Silva estabelece em suas imagens.

 

Seu olhar para os objetos os quer profundos, mas não, por esta razão, escondidos. Ele, pelo contrário, mostra o potencial exuberante que há neles, numa aparente contradição do intento aprofundado, voltado para dentro. É como se suas fotografias exaltassem aquela sucessão de eventos interiores que antecede a explosão do nascimento, a primeira aparição de alguém no mundo. Suas fotos crescem em expectativa até o momento em que não podem se conter. Um balé para a criação.
 

Suas cores vibram e saltam aos olhos. E, por isto, muitos talvez não considerem sua pesquisa integrada a uma corrente realista estrita. Mas quem pode assegurar o que é real segundo certos olhares? As faces translúcidas, os reflexos nas vitrines, as super aproximações, todos se multiplicam nas suas fotografias, que quase podemos pegar com a mão. O realismo tátil, da coisa sentida e percebida para além do que a fotografia faz, atrai o observador para as imagens deste brasileiro.

Quiçá seja mesmo o que ele nos proponha com suas fotografias. Mergulhos ao instante perceptível de criação das coisas.

 

O seu fazer tem todas as virtudes da realidade. A mais perturbadora talvez seja esta, a de não conseguir nos dizer tudo. Dentro das bordas que delimitam a imagem, construímos alusões sobre o que o fotógrafo teria a nos informar, naquela fração de tempo e luz, pelo ângulo e espaço escolhidos. Sua luz intensamente pesquisada é seu desenho. Uma luz que não parece interessada em apenas identificar os objetos. Alexandre segue, talvez sem saber, uma lei da fotografia, como a formulou o francês Henri Cartier-Bresson: a verdadeira foto não existe para identificar, mas para penetrar.
 

Seus temas não circundam grandes acontecimentos, instantes da rua, o humor que floresce em torno dos deslocamentos. O que ele está disposto a olhar é o que ficou esquecido. Tudo o que normalmente repousa ao lado do grande tema, mas raramente se percebe.
 

Este é um fotógrafo jovem. Um artista que parece guardar em si algo da receptividade da criança diante do mundo, ou do viajante que penetra num país estranho. Suas fotos para as superfícies são multiplicadoras, quase como se as observássemos com a lente de um microscópio. E, normalmente, as imagens de seres humanos, os retratos, ganham o contorno da dúvida, do esfumaçado, da velocidade.
 

Objetos procurados até sua máxima profundidade e seres humanos observados com a distância do mistério… Novamente, o inverso do que esperamos, e uma humanização indistinta de tudo o que está na natureza. E que tem epiderme, e formas. Um felino em velocidade ainda fulgura em suas marcas de pele. O fotógrafo não as anula, e até estende essa forma intensa de observar a uma mulher com tatuagens.

Os desenhos sobre aquele corpo imprimem uma cadência, um ritmo musical ao observador. E a modelo não precisa deixar a pose na qual se encontra para se movimentar dentro de nós. Ela está inscrita num círculo geométrico que parece reproduzir a estrutura clássica da sequência de Finobacci - caracóis que também se repetem em alguns de seus painéis, no grande relógio cuja estrutura ele vê a partir de dentro.

 

Trata-se de um jogo a exigir a cumplicidade de quem o observa. Ao repousar nossa observação sobre as fotos de Alexandre, o conceito do spectrum desenvolvido por Roland Barthes em “A Câmara Clara” perde muito de sua força. Barthes ligava o objeto fotografado, nascido da captura da luz, à noção de um espetáculo aterrorizante. Para ele, era certo que, em uma fotografia, o morto retornava. Mas onde está a morte nas construções iluminadas deste artista? Sua luz, de tão concreta, anula a ideia de um passamento. É a luz criadora o que o autor percebe além do comum - e isto se traduz em um show de subjetividades para nós que a observamos e modificamos seu contexto a cada observação.
 
Cada fotografia sua tem a virtude de adquirir leituras próprias da realidade. Uma simbiose que a torna, naquele momento, obra conjunta do fotógrafo e do leitor.

 

Alexandre Horta e Silva, que é psicanalista, parece se lançar com intensidade à força irresistível da fotografia. O ofício de fotógrafo se distingue de tantos outros dentro das artes por envolver um risco real, o de se expor sem filtros à riqueza e à miséria do mundo. Alguns artistas poderão retirar-se à meditação exclusiva em seu ateliê, junto ao piano ou à escrivaninha, mas o fotógrafo estará sempre à beira de um mundo desconhecido, diante da urgência de assimilá-lo e de devolvê-lo com distinção a quem o observa. Principalmente de transfigurá-lo, ação que parece constituir a especialidade deste fotógrafo, e seu encanto.
 

Sobre a arte de fotografia de Alexandre Horta e Silva

Por Ivo A. Ibri, Prof. dos programas de Pós-Graduação em Filosofia e Comunicação e Semiótica da PUC - SP (2020)


A obra fotográfica de Alexandre Horta e Silva exibe ostensivamente uma refinada sensibilidade que evidencia, de seus objetos, predicados cuja profundidade somente o talento de um verdadeiro artista consegue trazer à tona."


Essa operação da arte fotográfica de exibir aquilo que não pode ser percebido por um olhar habitualmente tomado por conceitos e que, por assim ser, apreende apenas o que logicamente nele caberia, torna-se na obra de Alexandre uma espécie de missão de natureza genética – aquela que, de fato, pertence única e genuinamente ao papel da Arte, a saber, a de remeter a experiência estética a seu plano mais primitivo, o de pura"
contemplação.


É nessa contemplação que, de início, a obra se mostra em sua unidade, exibe sua natureza   verdadeiramente   holística,   convidando,   posteriormente,   ao   devaneio especulativo sobre o que, no objeto, estava in potentia como possiblidades de ser, para"além do que a linguagem conceitual poderia mapear.


Essa missão da arte torna-se cumprida nas vastas nuances de formas, cores e luzes presentes nas fotografias criadas pelo talento de Alexandre Horta e Silva. Em cada uma delas, a percepção do artista oferece, a quem frui a obra, seu generoso partilhamento de beleza.


Pode-se dizer que o necessário repouso do guerreiro que a arte pode nos oferecer, numa espécie de hiato no Chronos no qual aguçamos nossa própria sensibilidade para um retorno perceptivo diferenciado à saga humana diante do mundo real, encontra na obra fotográfica de Alexandre uma das mais expressivas contribuições.
 

A fotografia de Alexandre Horta e Silva, uma viagem multissensorial

Por Roberta Ristori   (2017)

"Le immagini non sono figlie della realtà, ma sono figlie dell'uomo. Casomai sono nipoti della realtà. E sono parenti di Dio."

"As imagens não são filhas da realidade, mas são filhas do homem. Eventualmente são netas da realidade. E são parentes de Deus".

Leonardo Da Vinci



Alexandre Horta e Silva tem uma relação muito singular com a arte fotográfica, que torna seu trabalho extremamente interessante. Suas imagens possuem uma personalidade forte e podem ser "interpretadas" tanto individualmente, como em seu conjunto, dialogando entre si, sempre com um mesmo fio condutor: o prazer da descoberta.

Nada é construído a priori em suas imagens. O olhar do fotógrafo é sempre amplo, contemplativo e curioso. A experimentação constante e a grande abertura mental do artista fazem com que suas criações não se esgotem no momento do clique. Ao observar suas fotografias posteriormente, Alexandre se deixa surpreender novamente, muitas vezes descobrindo novas possibilidades e completando o processo criativo durante a fase de pós produção.

Tal postura do artista magnetiza o observador que, assim, compartilha com ele a maravilha do momento. Alexandre jamais perde contato com o encanto do instante que não se repetirá nunca mais, essência do ato de fotografar.

Esse olhar desprovido de modelos ou esquemas pré-definidos é o responsável por grande parte do fascínio de suas fotografias e, pode ser visto, por exemplo, na imagem S3 - número 2. Ao fotografar um cartaz publicitário em uma vinícola na região do Champagne, onde uma garrafa se sobrepõe a uma modelo, foi surpreendido pelo reflexo de uma moça que passava, por acaso, posicionando-se exatamente entre ele e o anúncio, originando assim, uma composição sui generis interessante e rica de significados.

Uma fotografia não é simplesmente o que vemos, mero registro de uma cena mais ou menos interessante, mas sim a representação exata do ponto de vista do artista. "Não fazemos uma foto apenas com uma câmera. Ao ato de fotografar trazemos todos os livros que lemos, os filmes que vimos, a música que ouvimos, as pessoas que amamos", explica o grande fotógrafo norte-americano Ansel Adams. E assim, as fotos de Alexandre são o espelho de uma cultura heterogênea e rica, cheia de referências multiculturais, como bom paulistano, homem do mundo e amante das artes.

A fotografia de Alexandre Horta e Silva (II)

Por Rafael Guanaes   (2017)

Da primeira parte deste texto se foram 3 anos. Minha convivência com a fotografia de Alexandre continuou. Conversamos sobre arte e sobre história da arte, trocamos ideias sobre o lugar da arte na vida e no mundo e, mais recentemente, dirigimos de forma sistemática nosso foco para a fotografia de Alexandre. De minha parte buscava ampliar a ideia de estranhamento, conceito que norteou minha primeira análise. Chegamos ao encantamento e evoluímos para um conceito que nos deixou mais satisfeitos: o deslumbramento. 

O fragmento de texto que apresento abaixo é de autoria do Professor e Crítico Teixeira Coelho Neto, escrito em 2002, por ocasião de uma exposição montada pelo MAC-USP, cujo tema era "Estratégias para Deslumbrar", quando era então o diretor da instituição. Com ele, espero contribuir para uma aproximação maior com a fotografia de Alexandre.

"Para ser mostrado, não para ser dito

O deslumbramento não requer, para operar seu efeito, nenhuma operação de entendimento, desconstrução ou análise. Não requer uma interpretação. Claro, tudo, hoje, aceita uma interpretação: mas o deslumbramento a dispensa. Não faz, necessariamente, referência a nada fora dele ou anterior a ele. Não é uma operação sobre uma outra coisa; acima de tudo, não é uma citação. O deslumbramento procede por totalidades, é uma sensação abrangente e indivisível, em partes. Seu significado é igual a si mesmo. Melhor ainda, não tem propriamente significado: adquire "apenas" significação, aquilo que uma certa pessoa faz, ao longo de um processo singular, com um sentido ao qual teve acesso. Para ser apreendido, o deslumbramento não exige ser examinado por um olho equivalente a uma câmera de cinema que varre um campo de visão. O que dá causa ao deslumbramento não é algo que procede pelo acúmulo de partes individuais. A multiplicação de unidades de estimulação não provoca o deslumbramento. Antes, o afasta. Assim, palavras em sequência lógica ou soltas no espaço, dificilmente provocam deslumbramento. Uma palavra pode deslumbrar; várias, nem tanto. Sob este aspecto, para o deslumbramento vale uma proposição de Wittgenstein a respeito das relações entre o que é para ser dito e o que é para ser mostrado. O que pode ser mostrado, observou ele, não deve ser dito. Esse é o caso do deslumbramento. Nada ou quase nada do que pertence ao domínio do que é dito, com suas regras, suas convenções e portanto suas previsibilidades, é passível de deslumbrar, operação situada na esfera do extático.

Creio que, por hora, não tenho nada mais a dizer..."

As Imagens de Alexandre Horta e Silva (I)

Por Rafael Guanaes   (2014)

Desvendar a poética do conjunto de trabalhos de um artista me custa tempo. Não um tempo que se possa contar em minutos, horas ou dias. É um tempo outro. Convivência silenciosa, distanciamentos, reflexões, encontros fortuitos. Convivi durante muitos anos com algumas poucas imagens produzidas por Alexandre, apenas algumas fotografias em preto e branco, ampliadas em pequeno formato, de imagens das cidades históricas de Minas Gerais. De repente, nosso espaço de convivência foi sendo tomado por outras imagens. Paredes começaram a ser tomadas por imagens em grandes formatos, até que um dia Alexandre comentou que apresentaria publicamente suas fotografias, seu hobby. Pensei, então, na coragem e na generosidade que tal decisão sempre carrega. Conscientes ou não, o que os artistas nos mostram em seu nascedouro não são fotografias, esculturas, poesias, imagens, obras, arte. Essas palavras são insuficientes para descrever o que um artista faz, elas apenas dizem respeito ao resultado final de um trabalho. 

A presença das imagens 

Ciente da precariedade e insuficiência de todo conjunto de ideias que tentam definir o que é o trabalho de um artista, ou seja, o que é arte, valho-me do vago conceito de que o trabalho de um artista é uma proposição de mundo. Nem sempre, por razões as mais diversas, o mundo aceita outra proposição de mundo. Logo nos ocorre Van Gogh, cuja proposição de mundo não foi aceita pelo seu tempo. Pensando o trabalho de Alexandre as perguntas de sempre me ocorrem e vão na mesma direção: qual é(são) a(s) proposição(ões) de mundo(s) desse conjunto de obras, desse trabalho? O que o olhar de Alexandre nos propõe? Qual o significado de suas imagens? Há nelas um mundo que se expressa de forma artística? Há uma poesia construída por seu olhar?

Alexandre não possui preferências sobre as coisas do mundo. Ele não as busca com roteiros preparados onde encontrará seus motivos. Ao contrário, ele permite que as coisas do mundo o encontrem. Talvez a operação se dê de uma forma ainda mais sutil, talvez, imagem e fotógrafo apenas se encontrem, se reconheçam e o fotógrafo registre sua presença. O trabalho de Alexandre busca intensificar essas presenças. Não há passado, não há futuro. O olho encontra uma superfície e encontra nela sua máxima potência, sua presença quase absoluta. Revelando presenças, Alexandre não produz instantâneos, palavra usada com muita frequência como sinônimo de fotografia e, também, desde a metade do século XIX, apontada como uma das características da modernidade. Modernidade que se desdobra hoje por uma avalanche, por uma enxurrada de imagens, que nos pedem, nos gritam e nos apelam para ser reconhecidas. Mas quais, entre essa profusão de imagens, podem nos levar para fora dessa avalanche? Indo ao contrário desta tendência, as imagens não reconhecidas de Alexandre nos atraem, tocam nossos sentidos e provocam um estranhamento. Não as reconhecemos de imediato ou, se o fazemos, a certeza não se estabelece. Afinal, estamos vendo ou sendo vistos?

 

 

 

 

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